Sonhos da alma. Tentava colocar as idéias em ordem, mas a luz acesa ofuscava a visão. Aquela luz. Teria ela a capacidade de acabar com os sonhos alheios? Não. Ela mesma tinha
comprado aquela coisa.Tudo bem que ela chamara o Zé, aquele eletricista do condomínio, para colocá-la; no mais, a lâmpada era dela, seria usada por ela, e a ela deveria obedecer.
Desistiu de pensar e ficou olhando, percebendo a teimosia da lâmpada. Ser difícil ela era. E a sua completude perecia a um simples toque no interruptor. Coitada! Estava ela, tão cheia de si, tramando contra todos e contra tudo. Era só um toque. Uma leve intromissão daquela que estava deitada e sonhava com toda a alma.
A mulher continuava deitada, sem ter coragem para levantar. Faltava-lhe o ânimo, as forças. Faltava a vontade. A vontade era de ser aquilo que não era. Conseguira tudo na vida, menos sua própria felicidade. Conseguira vencer batalhas, formar-se advogada, ter sua casa, ocupar o lugar máximo da empresa, e de que lhe servira tudo isso? Não havia se quer vontade de levantar e vencer uma reles lâmpada. E ela era toda assim.
Tudo na mais infinita sombra. Era assim que sentia, era assim que via. Mesmo com aquela lâmpada ali, no seu rosto. Porque sabia que não há treva maior do que na maior claridade. Não há voz pior do que a do silêncio. Queria chorar. E chorou. Chorou ali, deitada no seu canto. Sua vida seria isso mesmo? Chorar ao perceber que já não pode mais, não mais... Não mais o quê?
Aquele ser pequeno que lhe aparecera do nada, jurando lealdade e fazendo promessas de fidelidade. Pobre dela que era crente. Deveria ter percebido que nada que se compra é eternamente obediente. E aquela luz fazia isso. Pedia, rogava, suplicava para que não fizesse, para que não a deixasse, para que não a magoasse, mas era em vão. Tudo nela estava quebrado, tudo despedaçado.
Pobre coração em desgraça que pensava ser o mais nobre. As cores se faziam cinzas. Em tudo havia uma incompatibilidade. Faltava-lhe chão, mesmo estando deitada sobre o colchão macio da cama. Aquela cama... Não queria lembrar! Não podia! Havia ali um antro que não suportava mais. Havia ali, naquela casa, um cheiro de traição que lhe era insuportável. Levantou depressa e por pouco não cai. Corre ao banheiro, vomitou a comida e todas as palavras que queria dizer e não disse.
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